Pedalei 1.900 quilômetros pela Suécia em 2019, de Helsingborg a Nestenkangas, cumprindo uma etapa do Giraventura, um projeto profissional que vai tomar 15 anos da minha vida. Poderia dissertar sobre dezenas de temas que fazem de lá um país privilegiado, das liberdades individuais ao respeito à natureza.
Porém, se houve algo que realmente me chamou a atenção, foi a seriedade dos suecos com a segurança no trânsito, algo notável ao se pedalar pelas modernas vias de lá. Apenas três em cada 100 mil suecos morrem no trânsito por ano, segundo dados da Ocde de 2016.
O motivo para uma taxa tão baixa de óbitos está na política Visão Zero, adotada pelo Parlamento sueco em 1997 e que trouxe uma forma inovadora de pensar a segurança no transporte urbano.“ É possível salvar vidas quando focamos não no acidente em si, mas em como não repeti-lo.”
Intolerância total
Trata-se da intolerância a qualquer morte ou ferimento no trânsito. Os suecos entenderam isso como nenhuma outra nação e essa postura os levou a conceber desenhos para vias públicas que devem obrigatoriamente considerar as seguintes noções:
- 1. Reconhecimento de que vulneráveis no trânsito são pedestres, ciclistas e motociclistas, justamente os que, não por acaso, correspondem a 49% das mortes;
- 2. Salvar vidas ao se focar não no acidente em si, mas, sim, no que fazer para não repeti-lo;
- 3. A responsabilidade pela segurança deve ser dividida entre todos os entes de trânsito, incluindo designers de veículos, urbanistas e engenheiros;
- 4. Diminuição da velocidade, acalmando o trânsito e fazendo uma divisão entre as velocidades máximas permitidas com o entorno.
Entendendo o conceito
Reduzir a velocidade de circulação – proposta sempre espinhosa de se abordar no Brasil – foi uma ação posta em prática na Suécia com base na ideia de que veículos e pedestres desprotegidos não podem circular juntos por uma mesma via quando os carros estejam acima de 30 km/h. Para além dessa marca, danos ao corpo são inevitáveis.
Esse fato levou à adoção de limites para rotatórias e cruzamentos (50 km/h), estradas com chance de impacto frontal entre carros (70 km/h) e vias dedicadas a fluxo rápido sem essa possibilidade (100 km/h).
Fatalidades envolvendo pedestres desprotegidos no país caíram quase 50% até 2008, 11 anos após o nascimento da metodologia. O número de jovens mortos em acidentes de trânsito também foi reduzido naquele ano.
A postura sueca levou Europa e Estados Unidos a adotarem mudanças em infraestrutura para diminuição das mortes e lesões nas vias públicas.
E no Brasil?
Alguns anos-luz separam a nossa realidade da sueca. Somos um País com território quase 19 vezes maior, com uma população que ultrapassa 200 milhões de pessoas, mais carros – absurdos cerca de 30 milhões de veículos registrados somente no estado de São Paulo – e com um nível de educação básica bem mais baixo.
Após anos de luta dos cicloativistas, no fim de 2019, a prefeitura de São Paulo se valeu do programa Visão Zero, traduzindo-o como Sistema Seguro no Plano Cicloviário do município.
A intenção foi boa, mas o que está sendo feito de fato na prática? Ainda muito pouco. Segundo estudo recente da Mobility Futures, a tendência é a de que o transporte público, o ciclismo e a caminhada representem 49% das viagens em 2030.
Mudança cultural
Dessa forma, a capital paulista teria queda de 28% no uso de carros nessa década, o que aumentaria em 10% a demanda por transporte público, 25% o hábito da caminhada e em 47% o uso de bicicleta.
Com esse cenário futuro em vista, vejo o investimento em infraestrutura urbana e, sobretudo, em educação básica sobre direitos e deveres da ocupação de espaço como algo fundamental para nos aproximarmos de sociedades que adotaram os preceitos do Visão Zero.
É possível salvar vidas, diminuir drasticamente os acidentes de trânsito e promover a longevidade das pessoas se a sociedade como um todo entender como essa metodologia está diretamente associada a uma melhor qualidade de vida.