Por Guilherme Sintoni Monteiro
Michael Jordan, antes deste jogo, já havia vencido a NBA por três vezes seguidas, deixado o basquete, se aventurado no beisebol, retornado ao Chicago Bulls e, até essa bola sair de suas mãos, já tivera vencido mais dois campeonatos, somando uma mão aberta de títulos da mais importante competição de basquete do mundo.
Restando 20 segundos, a um ponto atrás no placar, Jordan rouba a bola na sua defesa. O que ele faz a partir daí é que chama a atenção. Você está perdendo por um ponto, rouba a bola, faltando poucos segundos e age como?
Eu gosto deste trecho descrito pelo treinador Phil Jackson, no livro “Onze anéis”. Ele narra mais ou menos assim: “Jordan roubou a bola e começou a partir em direção ao ataque. De repente ele diminuiu de velocidade e começou a bater a bola olhando para o seu marcador, fixamente. De repente ele parte para a jogada, faz a finta de corpo, se ajeita lentamente – bem lentamente – e faz o arremesso”.
Viver o momento
Jordan simplesmente viveu o momento. Esteve presente. Quando recupera a bola e parte em direção ao garrafão, ele entra em um estado de concentração, de flow, meditação, o que for. Mas um estado de plenitude de ação no que diz respeito a viver o momento. Todos os seus sentidos estão focados naquele momento.
Não há mais a torcida, não há mais o treinador, os adversários, o relógio. Não há mais um jogo importante, uma final, as câmeras de TV, o dinheiro do prêmio, nem a posteridade.
Michael curtiu cada batida da bola no chão. Como se não quisesse que aquele momento acabasse. Dizendo ao som da bola quicando que aquele instante deveria ser eterno. E que, contraditoriamente, ele só era perfeito por ser finito.
Talvez Jordan nem estivesse pensando se a bola entraria ou não. É claro e óbvio que ele queria ser campeão. Que se aquela bola girasse caprichosamente no aro e caísse para fora ele lamentaria, xingaria, esbravejaria. Mas não é esse o ponto.
Durante todo o momento de tomadas de decisões, quando todos seus sentidos estavam focados, MJ aproveitava o momento em si. Sua vida toda o preparou para isso.
Ligar os pontos
Nossas vidas, o tempo todo, nos preparam para o momento mais importante. Todo dia. Sim, pode ter certeza, durante toda a sua vida você vem sendo preparado para chegar aqui hoje. A gente nem se dá conta. Muito menos lá atrás, ontem, semana passada, há 15 anos. É impossível perceber isso antes. É o que o Steve Jobs chamou no seu discurso de “ligar os pontos”.
No livro “O Poder do hábito”, o autor conta que na olimpíada de Pequim, em 2008, ao entrar na piscina, Phelps logo teve um problema com seus óculos e eles encheram de água, impedindo-o que enxergasse. O pânico neste momento seria mais do que normal. A prova já estava comprometida.
Phelps manteve-se calmo. Tudo que ele fizera em sua vida, o preparara para aquele dia. Era a ligação dos pontos que ele, até então, não teria como fazer. Quando jovem, Phelps aprendeu com seu treinador a antes de dormir imaginar como seria a competição do dia seguinte. Cada detalhe.
Como se estivesse vendo por um ângulo privilegiado e em câmera lenta, Phelps se via entrando na água, dando braçadas, o rosto saindo lateralmente para respirar e nesse momento ouvindo por breves frações de segundos o grito da torcida no ginásio e logo sendo abafado com o rosto entrando na água novamente.
Seu treinador o incentivava a imaginar as emoções, cada centímetro percorrido, a sensação de euforia, do gosto da vitória. Certa vez, seu treinador inclusive o fizera nadar em uma piscina no escuro para aumentar sua capacidade sensorial.
E de tanto se imaginar dentro da piscina, de tanto pensar em cada detalhe que fosse presente naquele momento, Phelps sabia exatamente quantas braçadas ele precisava para a batida da chegada. Não eram mais necessários os olhos para enxergar.
A alegria do jogo em si
A prova acabou. Phelps venceu mais uma medalha olímpica. Recorde mundial. “Foi exatamente como eu imaginei”, respondeu a um repórter logo após a prova.
Refletindo sobre como foi treinar esta lendária equipe do Bulls, Phil Jackson concluiu que não era a competição que movia a equipe, mas a alegria do jogo em si mesmo.
“Campeões nem lembram que estão em uma competição. Apenas amam correr.” – extraído do filme “Com mérito”, de 1994.